terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Entendendo um pouco do que é Borderline...

TRANSTORNO BORDERLINE DE PERSONALIDADE
O estudo, a pesquisa e tratamento das pessoas diagnosticadas como portadoras do transtorno borderline de personalidade é um dos maiores desafios para os estudiosos de saúde mental.

O conceito de personalidade borderline é o resultado inevitável do esforço para definir um limite entre o funcionamento mental neurótico e psicótico.

A personalidade é a síntese de nossos comportamentos, cognições e emoções que faz de cada um de nós uma pessoa única. Estes atributos tendem a ser estáveis e permanentes, permitindo que nossos familiares, amigos e conhecidos possam prever como nós reagiremos a uma dada situação e permite a eles nos descrever para outras pessoas.

Embora nossa personalidade tenha esta característica de estabilidade e permanência, a ponto de nossa reação frente a determinadas situações possa ser previsível, a pessoa com uma personalidade saudável demonstra uma grande variedade de respostas às situações de vida e principalmente às situações estressantes. Um transtorno de personalidade ocorre quando uma pessoa não pode mostrar tal flexibilidade e adaptabilidade. A falta de adaptabilidade e o limitado repertório de respostas frente às situações comuns de vida, e principalmente daquelas mais estressantes, torna-se uma importante fonte de sofrimento para o indivíduo e para os que estão à sua volta.

Os transtornos de personalidade tornam-se reconhecíveis na adolescência ou, às vezes antes, e permanecem pela maior parte da vida adulta. São padrões inflexíveis, muito enraizados e de severidade suficiente para atrapalhar o funcionamento da pessoa e trazem muito sofrimento.
O diagnóstico de transtorno de personalidade pode indicar que o paciente tem um elevado risco de suicídio, afeta o curso e prognóstico de doenças co-existentes, destaca importantes fatores etiológicos, informa ao clínico acerca da evolução e prognóstico do paciente, indica áreas de importante disfunção nos papéis sociais, familiares e ocupacionais e ajuda o clínico na administração global do tratamento.

O instrumento diagnóstico mais usado atualmente pelos médicos é DSM-IV (Manual Estatístico e Diagnóstico editado pela Associação Psiquiátrica Norte-Americana), que estabelece alguns critérios: um padrão difuso de instabilidade das relações interpessoais, auto-imagem e afetos, com acentuada impulsividade começando no início da vida adulta, e presente numa variedade de contextos, como indicado por cinco (ou mais) dos seguintes ítens:

1 - esforços desesperados para evitar abandonos reais ou imaginários.

2 - um padrão de relações interpessoais instáveis e intensas caracterizadas pela alternância de extremos de idealização e desvalorização.

3 - perturbações de identidade: auto-imagem e sentido de self (sentido de ser a própria pessoa, contato com a interioridade) acentuadamente e persistentemente instáveis.

4 - impulsividade em pelo menos duas áreas que são potencialmente lesivas à pessoa (self): compras, sexo, abuso de substâncias, direção perigosa e exageros alimentares.

5 - comportamento suicida recorrente, com tentativas e ameaças ou comportamento auto-mutilantes.

6 - instabilidade afetiva devida à acentuada reatividade de humor (por exemplo, disforia episódica intensa, irritabilidade ou ansiedade usualmente durando poucas horas e só raramente mais que uns poucos dias).

7 - sentimentos de vazio crônicos.

8 - raiva inapropriada e intensa ou difícil de controlar (por exemplo, ataques freqüentes de mau humor, raiva constante, agressões físicas repetitivas).

9 - ideação paranóide passageira, relacionada ao estresse ou sintomas dissociativos severos.

Porém, mesmo com a clareza das condições para o diagnóstico do Transtorno Borderline de Personalidade, o diagnóstico pelo médico continua sendo uma questão muito complexa, e deve ser feito por profissionais que tenham um sólido conhecimento dos transtornos de personalidade, um método sistemático de avaliação e muita experiência em lidar com pacientes com estes transtornos.

É importante notar que o diagnóstico de TBP é feito pela presença de uma coleção de traços e não por um critério isolado. No entanto, merece ser destacado no diagnóstico o esforço desesperado que o portador do transtorno faz para evitar o abandono real ou imaginário e a gravidade das alterações das relações interpessoais, seja na família, escola, trabalho e lazer e, posteriormente, estas perturbações aparecem também com os profissionais que se aproximam para oferecer tratamentos.

Mesmo com todos os progressos no conhecimento do TBP o diagnóstico continua sendo mais arte do que ciência.


O quadro clínico típico do TBP é de uma pessoa com graves alterações em várias áreas do seu funcionamento:

• escolaridade interrompida, sem uma carreira profissional definida. Os objetivos mudam rapidamente e nada é levado adiante. São pessoas que estão muito defasadas com os pares que não tiveram interrupções nas suas metas.

• Relações interpessoais muito perturbadas dentro da família e fora dela. Brigas constantes e agressões físicas não são raras. Qualquer atrito com um chefe ou supervisor adquire uma proporção muito grande, levando o abandono do trabalho. A relação com professores é complicada e tumultuada, dificultando o prosseguimento de estudos. As relações de amizade são quase inexistentes.

• É freqüente o envolvimento com bebidas alcoólicas e outras drogas, o que às vezes, leva a extremos de violências e envolvimento em atividades ilegais. A droga é um grande complicador para quem já tem um funcionamento bastante precário.

• Histórico de tentativas de suicídio e ameaças constantes em relação a esta possibilidade. Algumas são tentativas sérias e outras são apenas para manipular e controlar o meio.

• Condutas auto-mutilantes como cortes e queimaduras.

• Variação muito grande no humor, com freqüentes ataques de fúria, que em geral, são de curta duração.

• Condutas manipulativas - os portadores de TBP estão sempre negociando com as pessoas à sua volta, não para obter vantagens ou tirar proveito dos outros, mas para tentar uma afirmação de si próprios. Eles parecem estar sempre perguntando quem está no controle da definição desta situação, e da realidade.

Como ficam extremamente fixados nesta questão do exercício de controle, de poder e competência há uma grande perda para as relações inter-pessoais e a conquista de realizações pessoais e materiais.

Em resumo, são pessoas que tem seus familiares e pessoas próximas aterrorizadas por suas condutas agressivas, sua imprevisibilidade, suas rápidas mudanças, seus ataques de ira, suas ameaças de suicídio, de auto- mutilação e provocação de acidentes. Tudo isto se alterna com momentos onde a pessoa é afável e carinhosa.

Raramente a pessoa tem um funcionamento mental psicótico. Isto ocorre, em geral, em momentos de grande estresse e tem curta duração.

Tipicamente, o portador do TBP tem um discurso coerente, fala coisas com lógica e adequação, não está desorientado e quando a família relata a estranhos os problemas que estão enfrentando com a pessoa acometida, as pessoas às vezes duvidam do que ouviram relatar.

O início das manifestações do TBP ocorre na adolescência ou início da vida adulta (raramente antes). É um início tumultuado, explosivo, com grandes manifestações de cóleras e condutas muito agressivas, comportamentos perturbadores e destrutivos, ameaças de agressões, de suicídio e auto-mutilação. São freqüentes as agressões verbais e físicas a familiares e pessoas próximas. Podem ocorrer fugas e envolvimento com drogas, furtos em casa e fora dela. Ocorrem alterações alimentares (anorexia ou bulimia), contatos sexuais promíscuos e inúmeros outros comportamentos marcados pela impulsividade. Os cinco primeiros anos são, em geral, os mais complicados.

Freqüentemente há a necessidade de internação.

Os conhecimentos mais recentes mostram que mesmo com toda a conturbação e sofrimento que o portador do TBP causa a si próprio e a seus familiares o curso do transtorno não é tão negativo como se pensava antes. Hoje sabemos que o risco maior de completar o suicídio no TBP é nos 5/7 anos do início da manifestação. Depois disto o risco cai muito. Sabemos também que 10% das pessoas com TBP completam o suicídio.

As pesquisas recentes mostram que possivelmente metade das pessoas que tiveram o diagnóstico de TBP estarão funcionando normalmente na 4º década de suas vidas. Tudo isto tem uma boa repercussão ao manter a esperança nos médicos, nos pacientes e nos familiares.


Em relação às causas devemos ressaltar que:

1 - Os fatores genéticos desempenham um papel importante. O TBP é cinco vezes mais freqüente em pessoas que tem um parente de 1º grau com o transtorno.

2 - O impacto do ambiente familiar no desenvolvimento da criança é muito grande e um fator causal importante. Cerca de 80% dos pacientes com TBP vêm o casamento de seus pais como sendo de natureza conflitual. Muitos pacientes com TBP passaram por abusos físicos e sexuais dentro de suas famílias. No entanto, há pacientes com TBP que tiveram familiares absolutamente comuns, sem nada de anormal.

3 - Fatores sociais mais amplos tais como mudanças sociais rápidas que interferem na transmissão inter-gerações de valores tem um papel causal.

4 - Fatores psicológicos e constitucionais. A teoria mais conhecida e aceita é a de Kernberg que sugere que a patologia básica no TBP é o excesso de agressividade, conseqüência de um problema constitucional que faz com que a criança reaja em excesso às frustrações parentais habituais ou de uma quantidade excessiva de frustração precoce que traz uma agressividade excessiva como reação a estas frustrações. Isto leva a criança a ver-se como uma pessoa potencialmente perigosa e assassina e que vive em um mundo muito hostil e perigoso.

5 - Estudos recentes mostram a importância de um cérebro intacto na formação e manutenção de uma personalidade normal. Os testes de funcionamento do sistema frontal (lado frontal do cérebro) no TBP parecem mostrar déficits como impulsividade, inflexibilidade cognitiva, pouco auto-monitoramento e dificuldades no processamento de informações. Estes déficits podem contribuir para as dificuldades comportamentais, interpessoais e emocionais exibidos por pacientes com TBP e ter um impacto significativo nos esforços terapêuticos.

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